"Com a taxativa afirmação 'passarinho na gaiola não
esquece de cantar', Rita Lee Jones prepara a sua volta.
No ano passado, dois acontecimentos alteram substancialmente
a sua carreira.. Primeiro, a sua prisão após a gravação do elepê 'Entradas e
Bandeiras' e, segundo, o desentendimento e consequente separação de Mônica
Lisboa, sua empresária há cinco anos. Neste ano, os fatos parecem promissores.
O nascimento de Roberto Lee, em março, a gravação de um novo disco com o
Tutti-Frutti, acrescido de Roberto Carvalho, dividem com a 'Trampo Produções
Artísticas', firma fundada há seis meses, as atenções da cantora.. Mas isso não
é tudo, pois ainda este ano haverá a sonhada excursão com Gilberto Gil. No
palco estarão as duas bandas, músicas de Rita e do compositor, além de
composições novas. Na verdade, um caminho novo, 'uma terceira coisa'. No ano
que vem, um circuito incluirá a América Latina, terminando nos Estados Unidos.
No próximo disco, as letras obedecerão à temática habitual
da cantora: humor/ realidade/ eu quero matar a vontade/ Enquanto tenho saúde e
idade/ Fazer um pouco de tudo/Vender minha alma pra comprar tudo/ Vender a
minha alma pra comprar o meu mundo. ('Ambição')
Música - O que é rock no Brasil?
Rita - Até há pouco tempo, eu não queria mais falar em rock.
De tanto que se está tentando definir uma coisa que justamente se propõe à
não-definição, já que é a abertura total. Mas sempre tem um pessoal tentando
definir esse tal de rock'n roll. Essa tentativa fica meio pobre. Os próprios
roqueiros tentando se definir já é uma bobagem. Além, ainda, das pessoas que
acham rock uma cultura estrangeira invadindo o Brasil. Eu acho que rock é
aquele negócio que sai de dentro da gente. É a verdade de cada um.
Música - Quais a dificuldades a se enfrentar?
Rita - Tudo é muito difícil porque o rock, basicamente,
depende de instrumentos, de equipamento de som, da tecnologia mais avançada que
existe. Algumas pessoas pensam que é moda, outras ainda pensam que está
cortando, que é o mercado estrangeiro invadindo o Brasil.
Música - Seria então uma experiência não assimilada pela
nossa cultura?
Rita - Realmente, não foi. É uma coisa que eu vejo pela
criançada, o público que eu atinjo, dos três aos 15 anos de idade. A meninada
canta, entende a minha música. E não tem aquela mensagem filosófica chata. Mas
muitas pessoas querem manipular o rock. Qual é a filosofia do rock?
Música - Essa necessidade de rotulação parte de quem?
Rita - A necessidade
parte do próprio brasileiro. Ele é muito preocupado, talvez por complexo, em
definir a sua música. A música brasileira sempre passou por movimentos
devidamente rotulados. Passou pela Bossa Nova a rotularam., Jovem Guarda,
rotularam. Tropicalismo, rotularam. Queriam também rotular o rock, para ser
moda e passar. Acontece que não é isso. Gilberto Gil é uma pessoa que sempre
mostrou e jogou o que pensava.
Música - Qual a saída
pra isso?
Rita - A criançada não está preocupada. Por isso é que estou
dirigindo o meu trabalho para eles. Porque são pessoas que não têm esse tipo de
informação. Na época do Gil, quando eu comecei com os Mutantes, nos festivais
era proibido tocar guitarra elétrica. Quantas vezes a gente recebeu
abaixo-assinado para sair dos festivais de música brasileira. Mas chegaram os
baianos e deram novas informações para a gente como 'vamos juntar tudo e partir
para outra'. Foi esse o grande toque que eu recebi do Gil. Hoje, você já ouve o
Martinho da Vila com uma guitarra, e é Gibson, não é Gianini não.
Música - Além da dificuldade para o equipamento, o que mais
um roqueiro enfrenta?
Rita - Realmente, o
equipamento é muito caro. E a carteirinha da Ordem dos Músicos não ajuda nada.
Com a carteirinha, você poderia poder
importar, porque é seu instrumento de trabalho. O pessoal que pretende fazer um
grupo de rock, por exemplo, em primeiro lugar tem que ter uma equipe. Pessoas
com determinadas funções, para que a coisa funcione.
Eu não posso cuidar da grana e pensar em música ao mesmo
tempo. Na minha equipe, tenho engenheiros de som, gente que cuida do cenário,
dos efeitos especiais, luz, montagem, etc. Quem tenta fazer um grupo de rock,
tem que ter um trabalho musical, tem que funcionar em equipe mesmo, para não
falhar. E o melhor exemplo talvez seja o festival de rock. Todos os festivais
que se tentou fazer no Brasil foram
qualquer coisa. Nunca houve um festival organizado onde cada grupo
tivesse seu equipamento de som, seu técnico para cuidar de tudo.
Música - E por que?
Rita - Para começar, o grande erro é da parte de quem
organiza o festival. Geralmente, não se tem a menor noção do que é. Os
organizadores acham que rock é qualquer coisa. Tem que ser de graça, porque é
tirar um som. Eu fiz Saquarema pensando que fosse melhor. E não era. Cheguei e
já me pediram o piano emprestado. Eu não gosto de emprestar equipamento de som.
Às vezes fico antipatizada por isso. Mas as pessoas não sabem da dificuldade da
manutenção de tudo. Quem não tem equipamento de som, não sabe cuidar. E o
pessoal que organiza não sabe disso. Não sabe mesmo que cada grupo tem que ter
seu equipamento de som. Não adianta convidar um grupo que não tenha engenheiro
de som. O negócio de emprestar pode ser bonito, mas não funciona. O grande erro
dos festivais foi iludir tanto os grupos quanto o público. Hoje em dia,
festival é uma coisa queimada., vista como um centro de drogas. E o público do
Brasil também não está acostumado, disciplinado para isso. Em Saquarema, depois
que a gente saía do palco, era uma sujeira, todo mundo comia sanduíche e
jogava. Isso é rock no Brasil. Sujeira, qualquer coisa, pobreza e drogas."
Música - Como é a situação musicalmente?
Rita - Eu sinto uma grande má informação nos próprios
grupos. A respeito de Brasil mesmo. Eles estão preocupados em copiar. É lógico
que recebo influência, mexo com guitarras, com sintetizador, ouço e me
influencio pelas coisas de fora. Mas isso não impede de desenvolver um trabalho
aqui, principalmente em termos de letra. E os rockeiros daqui não estão
preocupados com letra, uma coisa muito importante no Brasil. Em todos os
movimentos de música, o forte era a letra. No Tropicalismo, na Bossa Nova. No
rock é o céu, o arco-iris. Eles fazem uma cópia mal feita. Isso pode ser
atribuído à falta de informação cultural e ao comodismo. Pegar o que já foi feito
lá fora e achar que vai dar certo aqui. Mas o brasileiro já sabe o que quer.
Essa meninada canta todas as minhas letras. Muita gente me diz 'eu me sinto a
ovelha negra'.
Música - Como reagem gravadoras e empresários?
Rita - Os empresários são uns aproveitadores. Eles sabem que
rock dá dinheiro. Eles veem o Peter Frampton estourando e imaginam lançar um
cantor semelhante. Querem fabricar uma coisa, o que também não dá certo. Nas
gravadoras, a principal fabricação é financeira. Elas querem sugar, vender
rápido, querem paradas de sucesso. Não querem investir, dirigir um grupo.
Querem tudo pronto. A gravadora não tem muita visão. Na minha época da
Phonogram, por exemplo, eu tinha acabado de sair dos Mutantes e era o meu
primeiro trabalho com o Tutti-Frutti. Eu pretendia um trabalho de não levar as
pessoas a sério, mas propositadamente. Mostrar para as pessoas o porquê de não
levar a sério. Mas a Phonogram me deu uma brecada. Elas não tiveram paciência
de esperar e optaram pelo João Ricardo. Eu resolvi sair. Resultado: o maior
desastre da Phonogram não fui eu, foi o João Ricardo.Ele é o grande exemplo da
coisa fabricada.
Música - E hoje?
Rita - A Som Livre não interfere em nada. E eu já tenho
muita estrada, sei realmenbte o que quero fazer. A Som Livre tem a estrutura da
Globo mas, se você não tem um bom trabalho, não adianta. O público tem ouvido,
sabe se o artista é aquilo mesmo. O meu público, quando vai me ver, não quer
saber da mensagem filosófica. Eles sentem a minha letra, se identificam, mas
querem brincar, se divertir, dançar, ouvir um solo de guitarra e ver a minha
roupa.
Música - A imagem é, então, um dado fundamental?
Rita - Eu sempre me preocupei. Desde a época dos Mutantes,
da minha roupa de noiva grávida. No palco tudo é exagerado, mas no sentido do
público notar, de ser 'appeal'. Pela minha roupa, eu posso dizer o que quiser
para as pessoas e elas me entendem. Eu gosto de divertir as pessoas, mas não é
só. Depois dos Mutantes, eu comecei a desenvolver mais as letras das músicas.
Aquela letra boba, aquelas brincadeiras. Resolvi continuar brincando, mas
consequentemente. Através da brincadeira eu vou falando uma porção de coisas.
Às vezes a crítica fala que sou meio inconsequente, que não levo nada a sério.
É exatamente isso que eu quero.
Música - Como você vê
a evolução do rock no Brasil?
Rita - Quando o pessoal começou a falar em rock, já era um
negócio meio nostálgico: Elvis Presley, moto, etc. A proposta, na verdade, é a
abertura de tudo. É poder usar todos os estilos de música, não ter limitação de
nada. Se quiser fazer um tango, eu posso fazer. Como se quiser um baião ou
xaxado, também posso. Rock é tudo. O que vai ocorrer é o desenvolvimento de uma
música vinda de um equipamento de som, de um equipamento eletrônico. Mas a
grande preocupação é o toque brasileiro dentro do que está sendo feito lá fora.
Tanto que o pessoal já está vindo, já está de olho. A gente tem que pegar isso
antes deles. A percussão, principalmente. Agora, não sei até que ponto o
pessoal de escola de samba deixa o bloco do rock desfilar na rua.
Rita - Os grupos não podem copiar. Tem muita cópia, muita
cópia mesmo. Mas certas pessoas fazem um negócio bom. Eu gosto muito do
Guilherme Arantes. Gosto muito das Frenéticas. O Joelho de Porco pode parecer
engraçado, mas é um negócio que já foi feito lá fora. Gosto também da
simplicidade do Made In Brazil. O Terço é um conjunto muito bom. Mas eu escuto
e confundo com o Focus, com o Genesis. Se não fosse a letra em português, eu
não saberia.
Música - Você exerce
uma considerável influência na faixa de público dos 11 aos 15 anos. Qual sua
posição frente a isso?
Rita - Chegar no
palco e ver sete mil pessoas para escutat você não deixa de ser uma
responsabilidade. Eu procuro fazer o máximo de qualidade possível. Desde o
primeiro trabalho com o Tutti-Frutti, existe um público que me acompanha. E que
cresce cada vez mais. Eu quero oferecer a ele o que sou. As coisas que eu vivo,
como a prisão e o nenê. A responsabilidade que eu tenho é me mostrar, é a
verdade que está em mim. Eu só quero que as pessoas me vejam como eu sou.
Realmente, o público está de olho em mim com o negócio do nenê. Na música 'Essa
Tal de Roque Enrow' eu me colocava como filha. Essa meninada quer me ver agora
como mãe. E eu gosto desse clima. Gosto de mostrar isto pra ela.
Música - Se a gravadora espera um grupo já pronto e os
próprios grupos não se adaptam à realidade, como romper o círculo?
Rita - Com muito estudo, paciência, ensaio e principalmente
saber exatamente o que fazer. Os grupos têm que saber que as gravadoras são
todas tapadas. É preciso também muita disciplina. Poucos grupos ensaiam a
sério. Não existem empresários, e quando eficientes são desonestos. Os honestos
são deficientes. Eu sou uma pessoa que passa o dia todo escrevendo, tocando um
instrumento, me aperfeiçoando. Certas pessoas fazem uma música e acham que é um
trabalho pronto. É uma ilusão as pessoas pensarem que, de repente, num passe de
mágica, vão acontecer.