sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

RITA LEE OVELHA NEGRA DA FAMÍLIA, MESMO VESTIDA ELA É SEXY QUANDO DANÇA, OS JOVENS ENLOUQUECEM (MATÉRIA REVISTA FATOS E FOTOS GENTE 1975)

TODA família, por mais austera, tem sempre a sua ovelha negra. Rita Lee é uma delas, e aceita com tranqüilidade a classificação. Ri cuti e até se aprovita disso. No inicio, quando ainda estava no colégio e tocava com os colegas Arnaldo e Sérgio, seus pais tentaram proibir que a menininha sardente enfeitiçasse pela perigosa vida de artista, pois acreditavam que isso prejudicaria os seus estudos. A briga feia sobreveio na época que os três  companheiros de escola resolveram forma um grupo Os Mutantes  e ingressar no profissionalismo. Rita lee então teve que fugir de casa. Os conflitos surgidos naquele período, entre ela e sua família, serviram agora para que compusesse A Ovelha Negra.

É assim que, curtindo musicalmente seus problemas pessoais, a cantora chega novamente as paradas de sucesso. “Meu pai é descendente de índios americanos; minha mãe é de uma tradicional família italiana. Todos os dois são terrivelmente conservadores. Até hoje, não aceitam de bom grado a minha carreira. Mas não houve jeito. Quando perceberam, eu já era profissional e começava a agitar os palcos brasileiros. O fato, como se diz, estava consumado. Eu não reclamo nada. A eles, só peço carinho. E isso os dois nunca me negaram. Sei que me amam; é o que importa. Não moro com eles, mas os vejo com freqüência.”

O tempo passou. Rita Lee mudou tanto que acabou deixando Os Mutantes,há três anos. E fundou sua própria banda de rock, a Tutti Frutti, com metas simples e realistas: um disco e um espetáculo por ano. “Desta vez, estreamos no Rio o show Fruto Proibido,  que apresenta as músicas de nosso novo long- play. Ficamos no Teatro João Caetano apenas quatro dias. A casa sempre lotada, tivemos de fazer uma sessão extra: uma vesperal no domingo. Houve até venda em câmbio-negro: a garotada curtiu mais do que o público da sessão noturna.”

O Fruto Proibido foi também servido aos paulistas, no Teatro Bandeirante. Depois, apresentações em todas as capitais do país.  “Somos, ao todo, vinte cinco pessoas. Sete se apresentam tocando, cantando e dançando comigo. Os outros são técnicos: de som, iluminação, cenografia, etc. Por isso só podemos nos apresentar em grandes palcos e nosso showsempre parece uma festa incrível.”

Uma repressão sexual

Rita Lee compõe, canta, dança, toca flauta e violão. A proposição básica de seu grupo é levar música, alegria, luz e muita cor para o público, mas suas letras costumam trasmitir uma mensagem social ecológica. “O forte de nossa platéia são os adolecentes, a turma do ginásio e do colegial. Mas o primário e o Mobral também nos curtem demais... Às vezes, porém, a gente se engana. Há algum tempo, fomos fazer um concerto em Bauru, como sempre sonhado com uma platéia enorme, colorida, alegre, solta. Encontramos muita gente do ginásio, mas o público era quase exclusimante formado por homens, com algumas raríssimas mocinhas, espalhadas aqui e ali. Um verdadeiro grilo, um nível coletivo de repressão sexual absolutamente fantástico” – diz a cantora, e sua empresária, Monica Lisboa, logo completa o comentário: “Os homens olhavam para Rita de uma forma incrível. Aliáis, da mema forma com que olhavam as poucas mulheres que hávia na platéia. Pareciam uma reedição da época do teatro de revista, tranportada para a chamada geração Aquarius.”

Quando não está viajando, Rita Lee mora em São Paulo. Sua casa vive cheia de amigos e, sobretudo, de bichos. “Gosto muito de animais. Há apenas uma espécie que odeio: a barata. O resto é uma maravilha. Adoro estudar, brincar e cuidar de bichos.”

Ela já criou até ratinhos brancos, mas sua maior curtição é o casal de jaguatiricas: uma fêmea que cria há seis anos e um macho de um ano. “Quero fazer uma criação de jaguatiricas. Esse bichinho está em processo de extinção e tenho o propósito de fazer o possível para salvá-lo. Mas com o casal que tenho, não dá pé... O macho achou que a fêmea é muito velha. Agora vou arranjar uma companheira mas nova pra ele.”

Rita Lee está sempre com as jaguatiricas. Até quando viaja, fez questão de levá-las. Outro dia viajando de avião, ouviu uma inusitada proposta. Uma companheira de vôo perguntou-lhe, após elogiar a beleza do animal: “Você não me da esta oncinha? Eu queria tanto mandar fazer um casaco de pele para o meu boneco...

“ah, é? – respondeu a cantora. – Pois eu quero justamente o contrario: a senhora me dá seu boneco, eu faço um casaco com a pele dele e dou para minha oncinha vestir...” Assim é Rita Lee. Sempre rápida no gatilho; ferina e sarcástica como a letra de suas músicas. Em uma delas , Mãe Natureza, ela diz: Não sei / Se eu estou pirando / Ou se as coisas estão melhorando. / não sei / Se eu vou ter algum dinheiro / Ou só vou cantar no chuveiro...

É justamente o que ela pensa. Quer cantar, mesmo que seja só no chuveiro. O resto é folclore. Ou melhor, são atitudes como as de uma dessas ovelhas negras que a gente encontra por ai...




Reportagem de Ilvaneri Penteado
Fotos de Manchete Press

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

DISCO REFESTANÇA - RITA LEE & TUTTI-FRUTTI 1977

Este álbum registra o reencontro da rainha do rock  Rita Lee com  Gilberto Gil desde 1967 no Festival da Record. A turnê virou disco (ao vivo). Refestança se transformou  num “mega” espetáculo,e viajou por todo o país. Houve mais um reencontro com Lúcia Turnbull (ex ''Cilibrinas do Éden'') que estava na banda de Gil Revavela. Não só de coisas boas ocorreram, entre encontros festivos, contratempo aconteceram durante o show, o cenário desabou no Maracãnazinho na cidade do Rio de Janeiro, por falha da produção na época e Rita desabafou numa entrevista a revista Fatos e Fotos/Gente “Eu e Gil só cantamos nas outras cidades porque fizemos tudo na boa-vontade, levando muita fé. No final, quando o Refestança devia pintar com mais força as aletas da aranha metálica quase matam a gente.” O show continuou com grande sucesso de público.Vale a pena destacar as faixas "Domingo No Parque", “giló”,"Eu Só Quero Um Xodó" “De leve” e "Back In Bahia".


Lado 1
1. Refestança
2. É Proibido Fumar
3. Odara
4. Domingo No Parque
5. Back In Bahia
6. Gilo


Lado 2

1. Ovelha Negra
2. Eu Só Quero Um Xodó
3. De Leve
4. Arrombou A Festa
5. Refestança

REFESTANÇA O CENÁRIO DESPENCA E A FESTA CONTINUA NO ANO DE 1977

DEPOIS DA CONFUSÃO, GILBERTO GIL E RITA LEE GARATEM: A FESTANÇA CONTINUA
Paralela ás acusações não menos violentas que o show de Gil e Rita, no sábado, dia 5, no Maracanãzinho  a nova apresentação do Refestança até o final deste mês, na Quinta da Boa Vista ou no Parque da Cidade. Antes, porém, pensou-se no dia 15 de novembro, aproveitando o feriado.
Mas João Araújo, diretor da Som Livre (Também Globo) desaconselhou , “por está muito em cima do fato”. Enquanto isso a 18.ª Delegacia abre inquérito para apurar responsabilidades. E o resultado final da pericia fica sendo conhecido nessa segunda-feira dia 14.
A verdade é que a própria segurança da Suderj, responsável pelo Maracanãzinho  , havia desaconselhando a colocação do cenário do artista plástico Abel Gomes (o mesmo dos shows de Rick Wakeman, Genesis e Dione Warwick), pelo peso excessivo. E mais: Gilberto Gil garantiu à reportagem de FATOS E FOTOS/GENTE que “durante o teste de palco, na manhã de sábado, o cenário ameaçou cair por duas vezes”.
Mas à noite, independente das reclamações pelo atraso do inicio do show e pelo alto preço dos ingressos  (Cr 60,00, o mais barato), tudo parecia bem. No palco, Gilberto Gil, Rita Lee e os grupos Refa-Frutti e Tutti-Vela. No ar, a explosão de alegria do público em sua maioria jovens, que cantava e dançava ao som de Refestança. Uma descontração total. Rita pedia chicletes ao público. O som melhorou sensivelmente a partir de Ovelha Negra, e, sorridentemente, Gil afirmava que “o show está com tudo para crescer”. Mas parou ai ao som Giló, uma homenagem de Rita a Gil, o cenario começou a cair. Pânico corre-corre. Roberto de Carvalho, empresário e marido de Rita, sobe ao palco, responsabiliza a Vasglo e tenta explicar por que “o show está cendo cancelado”. O som é cortado. O público insatisfeito, começa a violência, jogando latas de cerveja e garrafas no palco.resultado: Maracanãzinho  depredado, trinta pessoas feridas. E a refestança.
Gil
“Nem percebi o que ocorria no cenário, pois estava muito ligado nas pessoas à minha frente e no que Rita cantava. Mas tudo que aconteceu no Rio poderia ter acontecido em outras cidades, pois tudo que a Vasglo prometeu não foi cumprido. O cenário foi montado em duas horas e só tivemos meia hora para afinar os instrumentos. Já durante a excursão, lutamos conta toda espécie de dificuldades. O melhor show foi em Salvador, no ginásio Antônio Balbino  que tem uma das piores acústica do Brasil. O clima do Rio estava parecido com o de Salvador. E quando comecei a cantar Ovelha Negra, senti que o pessoal estava mais a vontade. Dali pra frente poderia acontecer a grande noite do Refestança. Mas, infelizmente, aconteceu a pior.
Quando ao público jogar garrafas nos temos que entender. Público é público. Eu tentei explicar, mas não deixaram. Agora não vamos tomar atitudes precipitadas, como processar a Vasglo. Vamos conversar primeiro, até chegarmos a uma solução. Mas o que vimos nessa temporada foi muita demagogia”.
Rita:
“O sentido da Refestança se perdeu. Agora eu só quero uma coisa: fazer o Refestança de qualquer maneira, pelo menos aqui em São Paulo. Foi até bom que o cenário tivesse caído porque era horrível, era uma aranha metálica. O cenário caiu do céu, fez aparecer a série de negligencias da Vasglo.
Eu e Gil só cantamos nas outras cidades porque fizemos tudo na boa-vontade, levando muita fé. No final, quando o Refestança devia pintar com mais força as aletas da aranha metálica quase matam a gente. Por isso eu dou muita força pra reação do público quebrando tudo. O povo foi ludibriado e, naquela confusão, aproveitou pra botar tudo pra fora. Agora eu quero fazer Refestança com entrada franca.”
Murilo Néri:
Como diretor da Vasglo, Murilo, em meio a confusão e violência do Maracanãzinho , apresentou duas versões. A primeira: “O grande culpado por tudo isso é o público, que arrebentou o cabo de aço que segurava o cenário. Isso é coisa de desordeiros.” A partir dessa acusação, Roberto carvalho entra em cena e pede para ver o cabo arrebentado. Ao que Murilo resolve tirar a responsabilidade do público, transferindo-o para a empresa produtora do Refestança. “não é nada disso, gente!  O público não tem nada com isso. A Vasglo reconhece seu erro. Na verdade não houve tempo suficiente para colocarmos o cenário de uma forma mais segura. Houve relaxamento dos nossos funcionários”.
Roberto Carvalho: (empresário e marido de Rita Lee)

“Foi o maior bode da minha vida. Só espero que o público compreenda que nos também somos vitimas. A Vasglo alugou o Maracanãzinho  para um pastor e só nos liberou o estádio algumas horas antes do espetáculo. O importante é que tenho um contrato e muitas provas de que esse foi quebrado. Estas provas, estão, inclusive, registrada na imprensa, pois a Rita deu várias entrevistas  antes do show, sempre apontando negligencia da Vasglo. Que não promoveu, nem deu condições de a gente fazer o espetáculo que tínhamos em mente. A culpa não foi nossa. Não houve frescuragem quando anunciamos que não dava pra continuar. Aquele cenário poderia ter causado um acidente mais grave. Poderia ter matado um de nós. A reação do público foi natural. Aquele pessoal tinha comprado ingresso por um preço altíssimo. Tinha entrada de até duzentos cruzeiro.”

fonte: revista fatos e fotos/gente

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

RITA LEE PRA LÁ DE BABILÔNIA (MATÉRIA DA REVISTA MANCHETE NO ANO DE 1978)

RITA LEE PRA LÁ DE BABILÔNIA

“Creio que esta foi a primeira entrevista que eu não dei.” Rita inclina a cabeça e atira seu perfil lindo contra o teto. Levanta um angorá branco. Como um troféu. Beija-o na boca. “Preciso engordar, fazer plástica, ir mais à praia. Tudo que Rita não precisa ela afirma com segurança absoluta. Quando se trata do supérfluo. Ela sem duvida é uma estrela. Porque tem brilho próprio. Ela sem duvida é país, cidade, Cidade e capital. Limites, Fronteira, Rios ,lagos , montanhas. Não decende nem do general nem das calças. Seu pai. Origem sul dos Estados Unidos (como o Lee). Índios e gringos. Sua mãe vem de terras onde corre o nosso sangue: Itália. “meu pai, entretanto, é um matuto” – diz Rita com orgulho – “tipo música caipira. Fã de Inezita Barroso. Sabe que ele nunca assistiu qualquer show que eu fiz?” diz sem magoa. Até com um suspeito orgulho. “Minha mãe? Minha mãe é layout da italiana. Até com um certo exagero. Minha mãe poderia perfeitamente ser o papa. Minha mãe, meu pai, minhas duas irmãs. Família. Uma coisa que me preocupa muito. Pesquiso. Quero saber de onde eu vim. Gostaria de ser hipnotizada. Para ir alem do útero materno. Chegar ao antes de Rita, Pai, filho, espírito santo. Faço desse triângulo um quadrado. Incluo meus mistérios e equilibro minha cuca.”
“Ai está um depoimento sincero. Adoravelmente louco. E lúcido.”
VIAGEM ATRAVÉS DE RITA LEE
Você pega linha, disca o telefone, ai chega ao teatro. Passa por Wellington – sócio da trampo – vai seguindo até Célia, um porto muito agradável. Em Célia você mostra o seu passaporte. Suas credenciais. Tudo em ordem. “Rita Lee está em Guto Graça Mello: cinco em ponto. Hora do chá. Ai você – cheios de medo – chega em Rita Lee. Chegou ta chegado. Ou não está Passei dois dias em Rita. Visitei marido,filho, babá. Vencemos nossos temores e combinamos que, sem datas, ela contaria sua historia.
“Só me lembro do dia que nasci: 31 de dezembro. Véspera de primeiro. Isso me grilou muito durante algum tempo. Hoje  me ajuda. A véspera atiça, empurra, obriga. A idéia de que nada do que faço é definitivo é a razão da minha perseguição ao melhor.
Tudo começou em São Paulo. Ano 47. Ao sul, o pai de cujos descendentes nasceu  a cidade de Americana. Ao norte, a mãe. Filha de emigrantes, base Rio Claro. Classe média pra baixo. Daí a necessidade de que  as três irmãs estudassem em bons colégios. 15 anos  cumpridos por mim no Lycée Pasteur. Antes a irresponsável infância. Nela o meu sangue de índio. Adorava acampar no quintal. Dormi na cabana que eu construía. Como construir todos os meus brinquedos . Não transava com bonecas e jamais – infância é jamais – tive bicicleta ou vitrola. Radio foi o meu primeiro contato com o som. Radinho safado cheio de chios. Daí minha necessidade quase vital  de som. Muito e bom. Em alto e bom som. É como eu sou hoje.
Minha primeira Irmã razoavelmente mais velha, era a dona do rádio.  E amava Cauby Peixoto/Ângela Maria, as grandes bandas americanas – tipo Glenn Miller, Tommy Dorsey. Ela evoluiu até Ray Charles. A segunda irmã foi encurtando informações. Que eu ouvia atenta: Dolores Duran, Tito Madi e, sem dúvida,  João Gilberto além do séquito da bossa nova – olha muito  azul nos meus olhos – algo mais avançado. Neil Sedaka e Paul Anka seus preferidos em inglês. Mas no colégio tinha uma vitrola onde eu podia ouvir além. Elvis Presley conheci no colégio Mamas end Papas também. Ai comecei a criar meu próprio enfoque e, sem saber, já era viciada em música. Tipo dependente. O rebolado  de Presley! Com esses dados todos programei um conjunto. Colégio feminino: Tean Age Singers. Tudo pelo meu grupo. Inclusive o baile de formatura. Papai, prefiro uma bateria. Vestido de baile, valsinha, colar de perolas? Não, eu quero minha bateria. E ganhei. Tocava mal paca num instrumento ruim paca. Mas fazia cara de que “tudo bem”. Pintava os Beatles. E numa festa de muito som conhecemos o Sérgio e o Arnaldo. O pai secretário do Ademar de Barros. Daí os ricos e sofisticados instrumentos e som dos meninos do colégio Caetano Veloso. Trocamos  idéias e misturamos o grupo. Peneirando, peneirando, formamos Os 6. Enfrentamos muito imaturos a jovem guarda de Roberto Carlos. As críticas. As autocríticas. Brigas. Os seis viraram três. Arnaldo, Rita e Sérgio.
“BRASIL: GRANDE QUINTAL DOS DISCOS -  VOADORES, ONDE ESTÃO OS CONTATOS DE TODOS OS  GRAUS”
“Freqüentamos  os programas da época. Simonal, Astros do disco, A Grande Parada, Móbile e fizemos vocais para Tim Maia que chegava dos Estados Unidos. Os ouvidos sempre alerta de Chiquinho Morais iam passando e o primeiro convite renderia frutos (proibidos?). Vocal para Nana Caimmi que preparava o Bom Dia para defender no festival.
Além de Nana, muito além de tudo: Gilberto Gil. Dedilhando um violão que nos desbundou. A guitarra de Sérgio bateu no peito de Gil. E desta permuta idéia de um trabalho juntos. Gil pra mim. Entre outras coisas, é chefe de uma tribo ainda não identificada. E com sua já imensa sabedoria explicou dos riscos que corríamos cantando/tocando música brasileira com guitarra e adjacências . Domingo no Parque. O homem mostrou a coisa. E, claro, topamos. Alegria , medo , prazer, pavor, orgasmo. As emoções que consigo definir ainda na minha cuca desplugada do passado. Clima de Festival. A música brasileira está sendo poluída. Fizeram a cabeça dos galos. Então o auditório, as galinhas. Suor, medo, agressão sonora. E a pontaria certeira de um fanático. Um ovo explodiu no meu rosto. A mim coube um ovo. Outros detritos no resto do grupo. Mas entre ovos e detritos a música maior de Gil. Ali nasceu tudo.inclusive o visual que programam. Roupas muito loucas. Talvez para sermos um alvo mais fácil. Guerra é guerra.
Adoramos. E a profecia de Gil se fez cumprida. Passamos a ser os Malditos. Amaldiçoados por grande parte da imprensa forte. E seguimos o rumo aos rumos de Gil. Vários trabalhos com ele. Sucata, inclusive Caetano.
Divino Maravilhoso, um programa muito louco na TV Tupi de São Paulo. Alguma coisa mais forte, imponderável  mesmo, começou a aderir ao nosso brancaleone  - nossas tropas eram pequenas porém fanáticas. Os Mutantes enfrentaram todos os Festivais da Record e da Globo. O discurso diabólico de Caetano Veloso, É proibido proibir, refletiu. E nós éramos, de certa forma, seu espelho. Concorremos a vários festivais  sempre com os abaixo assinados. Conta nosso visual/músico/instrumental. A guitarra era um insulto. Eu, vestida de noiva grávida, ou mostrando as pernocas, uma agressão que doía demais nos colegas do oficio e na multidão.

  E grande parte da imprensa dizendo amém . Ação, reação aquilo que todo mundo sabe. Então, a fase de camicase. Nós contra todos. E um resultado facilmente previsto. Pressões de todos os lados. E os discos dos Mutantes eram retirados de catálogo pelas gravadoras que se alimentavam da imprensa/divulgação. Estilingues contra tanques. Sufocados, começamos a perder de fora pra dentro. Até que todos perdemos entre nos próprios. Esgotamos munições. Até no comportamento fora do palco.
Meu casamento com Arnaldo – dos Mutantes – foi um grande deboche. OX “toureiro casou com a noiva grávida”. Eu vivendo um esquema tribal. Separação de corpos. Casamento com separação de corpos. É isso ai. Fui morar na Cantareira. Lá morávamos muitos músicos do nosso grupo. Até meu marido, às vezes. Cortando caminho: velocidade de comportamento que imprimimos já passara em muito do nosso controle. As rodas giravam além do possível. A maquina espatifou-se num Festival onde resolvemos cantar um samba feito por mim,  Pelo Sérgio, o Arnaldo e mais uns dois: Mande um abraço pra velha. Contra tudo eu lutei. Mas contra todos seria impossível. Comprei um sintetizador. Para os Mutantes meu passo passava do previsto. Perninhas de fora, uma letrinha vez em quando, programação de um visual, um pandeirinho, tudo bem. Sintetizador? Essa não. E o “clube do Bolinha” – menina não entra – acabou por me fazer sair. Partir para outro esquema. Projetada pela lei da inércia. Quando estampamos nossa máquina  a milhões por hora. A síntese: um sintetizador. Aliás a minha cara. Não tenho cara de sintetizador?  E, num de repente, descobrir que também tinha talento. O bicho que mora em mim me guiou até a uma casa na represa Guarapiranga. Lá trabalhei um tempo com o pessoal da revista Rolling Stones. Parei 9 meses. Outra gestação. Campo cheio de mato. E as primeiras composições frente ao espelho do lago: Mamãe Natureza,  Esse tal de rock’n Roll  - que eu também queria saber – e outras coisas. Retornei com Lúcia Turnbull. Violão acústico. Vaias. Phono -73. Olha ai uma data! Então, saquei minha paixão: a eletrônica. Som.  Nos porões do Ruth Escobar formamos o Tutti-Frutti. Gosto de trabalhar com grupos. Ai Monica Lisboa pintou. E, com ela, minha quase falência pessoal e jurídica. Ia me esquecendo que entre os dois grupos tentei um suicídio. Bem hollywoodiano. As pílulas. O tempo de ser socorrida. Um namoro com a morte. Porque eu sou muito tudo. Mágico espelho meu existe maior m... do que eu? Ato continuo o suicídio. Eu não poderia ser testemunha da minha morte.
Até além do útero eu viajo. Quero. Depois de mim é demais. E nada como uma tentativa frustrada. Induz. Superei fase programa da Phonogram. Em esquema eu não entro. Não tenho vocação para estrela. Gravei um disco Atrás do Porto Existe uma Cidade. Eles não acreditaram. Pintou João Ricardo, ex-Secos e Molhados. E a cobertura pop foi transferida para ele. Fui para a Som Livre. Livre mesmo.

Só sei trabalhar em equipe. Já na Phonogram  tínhamos uma pequena infra-estrutura que programava os visuais, a capa, os cenários. Gente da Moca mas gente boa. Não acreditaram. A Som Livre possibilitou a Trampo, máquina que desliza sem interferir no meu trabalho pessoal. Roberto de Carvalho, entre outras coisas meu adorado marido, colocou tudo nos eixos. Continuo investindo nos meus shows, cada vez mais profissionais. Programação visual, luz, som, tudo de primeira.
Fora do palco moro em casa alugada e não tenho nem um fusca. Positivamente  eu não sou uma estrela ... Fruto Proibido, meu primeiro disco livre, virou show. Que andou Brasil. Ovelha Negra puxava o barco. Uma retomada de tudo. Minhas pazes comigo e com o público. O ovo na cara, gostosa memória. Ainda pobrinho  porém muito legal, satírico porém cheio de um sadio humor, o Fruto Proibido tinha a cara do título. Ai as bruxas conspiraram contra mim. Entradas e bandeiras. Tudo investido num espetáculo. Primeiros dias. Não dei bandeira mas foi a minha entrada na prisão. Os homens estavam numa de apresentar serviço. E eu fui escalada. Mesmo grávida. Um jogo armado. Muito bem armado. Só me restava assumir.” - Rita Lee na cadeia.
 Como foi?
- No DEIC, três dias de horror. Risos sarcásticos. “Uma ovelhinha nova no meio dos leões.” Em pânico cheguei no presídio. X-21 (xadrez 21) obviamente proibida pela censura. Até o Mendonça um tremendo sapatão – que usava cuecas  - , me beijava a mão como um  gentleman  ... Meu filho preso as minhas entranhas acalmou. Depois de 15 dias deixei um pessoal  simplesmente sensacional! Prisão domiciliar. Equipamento aprisionado, advogado por pagar , empresaria inescrupulosa. A manada de bodes pretos. Que se foi diluído. Então veio o meu up.
Se a montanha é russa acontecerá a subida. Refestança  com Gil. Tipo Brasil. Com o Tutivela e o Refafruti  - união dos nossos grupos – começou Rio/São Paulo e cresceu de cima em baixo. Então, já numa boa, pintou a Babilônia. Arrombou a Festa foi um compacto que me colocou as finanças em dia. A Som Livre foi legal. Adiantou a grana na fase braba. Mas ela não é mãe de ninguém. Toma chocolate, paga lo que deves.  -  Enfim, a maior estrela pop saiu do vermelho.
- Diz o pessoal que cuida da minha grana que sim. A equipe da contabilidade não pisa no palco e vice-versa. Eu Roberto e nosso filho somos outro departamento. Trabalhamos em sincronismo, numa perfeita harmonia e o resultado é esse show   feliz, sério, assumido. O superimpulso.  O público gosta e merece tudo que invisto num melhor som, num melhor visual, num comportamento tão sincero do nosso grupo que nem mesmo uma Babilônia rompe os elos.
Não tenho trilhos nem teto. Tenho um grande prazer de realizar tudo isso. Assim. Compatível. Babilônia. Sabe, organizaram minha bagunça. Hoje já não acho que para ser pop a coisa tem de ser esculhambada, despojada, troncha. Eu me permito até aos limites do limite. É bem verdade que meu limite é ilimitado. Babilônia é a síntese do começo e do fim. Com a música por testemunha. Babilônia  sou eu. Que tem uma atração sexual pelos quintais da morte e ama o filho, o marido, o pai caipira, a mãe-meio-papa. A lassidão durante esse chá que estamos tomando e o olho ligado no pulo do gato.
-  O espelho mudou de resposta? – O espelho é minha contabilidade. O dever e o haver. Que tal uma engordadinha? Esse cabelinho está legal? Olha essa foto, uma plástica... ai volto para as origens. Índios e astronautas, minha família. Quanto mais eu souber de onde vim, mais saberei para onde vou. Solidão. Tenho medo de barulho que  o silencio faz. Milhões de decibéis. Medos muitos. Canto quando estou no escuro. Tenho um Deus meu. Meu como uma impressão digital. De onde eu vim pergunto aos meus pais. Pra onde eu vou pergunto – em vão – ao meu filho. Ao meu marido. E me sobe um gosto de medo que me empurra para a luz, o som, a zorra. Cada vez mais. Um pulo do gato. Nem no salto nem no toque. Durante Voando. É o point  of no return. O risco. Assumo o impulso que estou dando. Porque estou estupidamente feliz. Amanhã vou à praia.
- Ufos ou óvnis – Cada um saca o Apocalipse  à sua maneira. O arco íris é um código de um certo lugar. Eu também queria saber  o que esta por trás dele. Sabe de uma coisa? No Brasil estão todos os contatos  de todos os graus. O grande quintal dos discos-voadores é aqui. Chi, que horas são? Tenho que ir a Babilônia me espera. E numa festa dessa eu sou a primeira a chegar...
Abaixo a matéria na revista Manchete: 1978
fonte: revista manchete 1978

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

DISCO ATRÁS DO PORTO TEM UMA CIDADE - RITA LEE & TUTTI-FRUTTI 1974

Atrás do Porto Tem uma Cidade é o primeiro disco verdadeiramente solo de Rita Lee, que marcou o início de sua carreira na música pop brasileira. Lançado em 1974, o LP conta com 10 faixas, com as imperdíveis "De Pés No Chão", "Ando Jururu" e "Eclipse do Cometa". 

Quando saiu, em 1974, Atrás do Porto tem uma cidade foi ao mesmo tempo o terceiro e o primeiro disco solo da Rita Lee. Terceiro porque se seguiu a Build up, lançado em 1970, e Hoje é o primeiro dia do resto de sua vida , de 1972. primeiro porque, embora continuasse uma mutante, ela já não fazia parte do grupo que a projetou e que ela ajudou a projetar, Sergio, Arnaldo, Liminha e Dinho, os outros Mutantes, ficaram no passado. Rita estava sozinha, espanando a angústia e encontrando novos cúmplices.

 Rita deixou o grupo em 1973. Ná época, a saida foi apresentada como espontânea, mas anos depois a própria Rita admitiu ter sido convidada a sair. Uma grande decepção, que Rita trasformou em música. "Não sei se estou pirando, ou se as coisas estão melhorando" , cantou ela , no colo da Mamãe natureza. Ainda em 73, Rita encontrou na guitarrista Lúcia Turnbull a parceira para Cilibrinas do Éden, e voltou aos palcos. Depois, chegaram o baixista Lee Marcucci, o guitarrista Luis Carlini e o baterista Emilio Colantorio. Estava formado o Tutti-Frutti. Rita estava pronta pra debutar de novo.

"E pensar que eu passei todo esse tempo investindo no meu Know-how/ E pensar que eu quase me danei apostando no meu background/Ando jururu/ I know not what to do/ Quero encontrar pelo caminho um cogumelo de zebu. "Rita encontrou muito mais que isso. Apesar das concepções diferentes da artista e do produtor , Mazolla, sobre o disco, Atrás do porto... mostrou que Rita, mesmo só, não era de brincadeira. Ou melhor, era. Ela trocou os flertes com o rockprogressivode seus ex-companheiros por uma sonoridade mais pop, misturou Rolling Stones e purpurina, piada e peso. Estava pronta a primeira e vigorosa demonstração do talento de Rita. Talento que fez dela a primeira-dama do rock nacional, ou, como ela diz hoje, a titia dos roqueiros.

Lado A

1. De Pés No Chão
2. Yo No Creo Pero...
3. Tratos a Bola
4. Menino Bonito
5. Pé de Meia

Lado B

1. Mamãe Natureza
2. Ando Jururu
3. Eclipse do Cometa
4. Circulo Vicioso
5. Tem Uma Cidade


Curiosidades:

Na época da gravação do disco, Rita começou a sentir que o interesse do presidente da Philips, André Midani, em sua pessoa, era bem mais do que apenas musical. Os dois começaram um affairzinho que Rita levou adiante um pouco por querer se vingar de Arnaldo (que não gostava de André), um pouco por querer ver seu disco bem trabalhado. Não adiantou nada: a gravadora não gostou do disco, nem investiu um tostão furado. Rita rompeu ao mesmo tempo com André e com a Philips, puta da vida, no meio de uma reunião do tal "grupo de trabalho" da Philips (para a qual tinha ido viajando de ácido).

+ Rola uma lenda que algumas letras do disco Atrás do porto... teriam sido censuradas, o que teria abortado ainda mais o processo. Se é lenda ou não, o fato é que o logotipo do disco lembra vagamente a bandeira do Brasil. E a tal "cidade" da capa lembra muito um mapa do Brasil também. Lendas e mais lendas...

+ A ficha técnica do disco foi toda escrita à mão por Rita, em forma de diário - algo que foi mantido na versão CD. Entre um crédito e outro, há mensagens cifradas (como o agradecimento a "baurets"), recados pessoais e verdadeiras crônicas do momento pelo qual Rita passava, gravando um disco e querendo vê-lo acontecer.

+ Além do disco, há gravações de Rita na Philips que só saíram em singles ou em coletâneas, como "Paixão da minha existência atribulada" (ao lado de Lucia Turnbull) e "Nessa altura dos acontecimentos", além das três faixas ao vivo do LP Hollywood Rock, de 1975 (breve neste blog), "E você ainda duvida?", "Minha fama de mau" e "Mamãe Natureza". Há também um dueto entre Rita e Erasmo Carlos, "Minha fama de mau", que saiu num disco de carreira de Erasmo, Erasmo Carlos Convida..., de 1980. Nenhuma dessas gravações foi resgatada em CD.

+ O encarte do LP original - mantido na reedição em CD - trazia um pôster da banda, no maior clima lambisgóia-new-york-dolls (com destaque para Rita quase fantasiada de Ziggy Stardust).

+ Além de Atrás do porto..., Rita ainda chegou a iniciar as gravações de um segundo disco com o Tutti-Frutti pela Philips. O disco, que seria a primeira produção assinada por Liminha, não foi lançado por causa da rescisão de contrato de Rita com a Philips. Mas nos anos 90, o jornalista e investigador musical Marcelo Fróes (também editor do tablóide International Magazine) tentou lançar o disco, já em CD. Marcelo teve apoio de Rita, mas esbarrou em problemas com um dos músicos do Tutti Frutti, que registrou o nome da banda (coisa que nem Rita fez) e exigiu receber royalties. Uma pena.


fontes: blog'n'roll, polygram

RITA LEE TAMBÉM É UMA BÁRBARA DO ROCK NACIONAL

RITA LEE TAMBÉM É DOS DOCES BÁRBAROS
Depois da confusa experiência de “Refestança” , Gilberto Gil parece que vai ter novamente a companhia de Rita Lee: ela vai ser a mais nova integrante dos Doces Bárbaros, que volta a se apresentar em 78. O convite foi feito por Gil, logo após o “show” do Maracanãzinho : “Eu, Gal, Caetano, e Bethânia curtimos muito o trabalho de Rita.  Ela é, realmente, uma doce bárbara. “Ainda sobre Gil, apesar de já ser contratado da WEA, ele ainda vai gravar um disco para a Phonogram, o segundo volume da “Antologia do Samba de Breque”, com lançamento previsto para janeiro.

Notícia: Revista Amiga 1978